O livro Irmãos: uma história do PCC é a condensação dos resultados das pesquisas feitas pelo autor Gabriel Feltran entre 2005 e 2018 (ano de sua publicação). Durante todo esse período, o autor se dedicou ao estudo da criminalidade e das dinâmicas internas e externas dos mercados ilegais, assim como suas transformações frente ao processo de globalização que abrangeu tanto os mercados lícitos quanto os ilícitos.
O trabalho é composto por 10 capítulos divididos em duas partes: a primeira parte intitula-se “A Sociedade Secreta” e compreende os 4 primeiros capítulos. No início, o autor apresenta sua principal tese: contra a visão de senso comum que enxerga o Primeiro Comando da Capital (PCC) a partir de um molde de organização empresarial ou de uma organização militar, o autor argumenta que a metáfora mais próxima da realidade é a da sociedade secreta. O primeiro capítulo intitulado “Maçonaria do Crime” nos traz tal ideia, pois o PCC não funciona como uma empresa visto que a maioria dos negócios ilícitos promovidos por seus integrantes são particulares e não do Comando. Por outro lado, a metáfora da organização militar poderia induzir a dois erros: a olhar somente para as ações bélicas do grupo, uma pequena parte de suas ações e, de procurar uma organização hierárquica dentro da facção o que em realidade inexiste. De acordo com o autor, a metáfora da sociedade secreta é muito mais proveitosa, pois assim como a Maçonaria, o PCC não é dono dos negócios de seus membros nem mesmo recebe uma porcentagem de seus lucros, mas sua existência baseia-se na ajuda mútua entre seus membros, na manutenção de todos no “caminho certo” e na criação de vínculos de solidariedade entre os membros. Nos outros capítulos dessa parte, o autor busca traçar um panorama desde o nascimento do PCC em 1993, passando por todas as disputas internas ao comando e, chegando até o período em que se inicia o processo de expansão do grupo para outros estados e mesmo para outros países.
A segunda parte intitula-se “A Política de Expansão” e mostra como se deu o processo de consolidação da hegemonia do PCC nas favelas e periferias de São Paulo e seu crescimento em outros estados. Nessa parte o autor discute a relação entre a consolidação do PCC em São Paulo, as políticas de segurança e a redução drástica no número de homicídios no estado no início dos anos 2000. Diferente do discurso dos autores de tais políticas, o autor demonstra que elas tiveram sim um papel nessa redução, embora não seja aquele imaginado pelos membros do governo de então. Políticas como o encarceramento em massa por si não reduziram os homicídios, mas favoreceram a difusão do PCC dentro e fora dos presídios e, juntamente com o crescimento do Comando, crescia também o alcance de sua justiça.
Após diversas lutas internas dos membros da facção criminosa, o grupo instituiu um modelo de ação muito diferente daquele costumeiramente adotado por tais grupos. Ao invés de agir segundo a lógica de dominação de territórios, como agem grupos tais como o Comando Vermelho do Rio de Janeiro, os principais membros do PCC optaram por agir no controle dos mercados ilegais, pois um estado de guerra aberta com o estado não é bom para ninguém, nem mesmo para os negócios. Por isso, o comando tomou providências para a organização dos presos, como a proibição dos assassinatos não autorizados, do estupro e posteriormente do uso de crack nas cadeias. Do lado de fora, o Comando tabelou o preço das drogas para acabar com a concorrência entre pontos de venda e instituiu uma espécie de “justiça do crime”, para a qual todos os problemas devem ser levados e sem a autorização dela nenhuma atitude de vingança pode ser tomada. Tal processo quebrou o ciclo interminável de vinganças que ocorria antes de seu surgimento, assim como a criação de uma facção hegemônica pois fim nos conflitos entre grupos no estado de São Paulo.
O autor traça um panorama dos mercados ilegais globais e da inserção do PCC neles, procurando relacionar as dinâmicas que ocorrem na ponta desse enorme sistema, ou seja, o pequeno traficante, o usuário, o jovem da periferia, o furtador de veículos etc., com o topo dessa cadeia comercial, ou seja, com o movimento desses produtos entre os países e os continentes, os grandes produtores de drogas, as políticas dos estados nacionais para tentar apresentar um quadro o mais completo possível para o leitor da economia ilegal e de seus resultados.