Direito
“Os pit bulls estão sem coleira”: as intervenções do poder estatal e a mudança de comportamento dos integrantes de um subgrupo pertencente a Torcida Organizada Imperial
Este artigo descreve as medidas adotadas pelo poder estatal para diminuir e conter a violência entre os torcedores organizados dentro e no entorno dos estádios de futebol. Após a promulgação do Estatuto de Defesa do Torcedor, da reforma do estádio conhecido como Mineirão e a implementação dos Juizados Especiais Criminais no interior dessas localidades, observamos uma mudança de comportamento dos jovens pertencentes aos pit bulls – um subgrupo da Torcida Organizada Imperial na cidade de Belo Horizonte, constituído para defender e proteger os simbolismos da torcida organizada com lutas físicas ou corporais. Através da observação participante e de entrevistas em profundidade com os membros dos pit bulls, constatamos que eles adotaram um sistema de controle informal no interior do próprio subgrupo punindo os jovens que não apresentam as condutas ou os comportamentos considerados por eles como adequados nos mais diversos espaços da metrópole.
A Paixão como Confronto: disputas discursivas sobre o ato de torcer
Desde o começo do século XX, torcer por um time de futebol se tornou um hábito comum para muitos brasileiros. Todavia, as formas de torcer se transformaram diversas vezes desde então, envolvendo diferentes agentes e produzindo novas identidades torcedoras. A partir de meados dos anos 1960, começaram a se formar as torcidas organizadas atuais, que mudavam as formas de associativismo torcedor predominantes até então, gerando novas práticas torcedoras e relações sociais. Esses grupos passaram por um significativo processo de burocratização de suas atividades e estruturas internas, ao mesmo tempo em que se desenvolveu uma dinâmica de confrontos violentos entre eles, o que assumiu um papel central nas representações coletivas a seu respeito. A imprensa e outros setores da sociedade civil passaram a exigir o controle dessa violência, ao que o Estado respondeu com a lei 10.671, de 2003, conhecida como o Estatuto de Defesa do Torcedor. Com a realização da Copa das Confederações em 2013 e a Copa do Mundo em 2014 no Brasil, a Fédération Internationale de Football Association (FIFA) passou a se inserir no debate, lançando códigos de normas para guiar o comportamento torcedor durante as competições. Nessa discussão, emergiram disputas pelo próprio significado do torcer, como palavra e como prática social. Essas disputas constituem o objeto de presente tese, e serão abordadas a partir da Análise do Discurso de linha francesa, da teoria dos processos civilizadores de Norbert Elias e da analítica do poder de Michel Foucault, contando também com contribuições da Teoria dos Atos de Fala desenvolvida por John L. Austin e John Searle e da teoria da estruturação de Anthony Giddens. Foram analisados os discursos do Estatuto do Torcedor, dos Códigos de Conduta da FIFA, da Carta de Brasília, do Relatório final da Comissão Paz no Esporte, de três cartilhas de divulgação do conteúdo do Estatuto do Torcedor, de 124 artigos de opinião, de 170 reportagens de jornal, de 23 sites de torcidas organizadas, dos sites do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, do portal virtual Jusbrasil, dos sites do Instituto Nacional do Torcedor e da Associação Nacional das Torcidas Organizadas. O propósito é compreender como tais discursos estruturam essas disputas atualmente, como eles produzem e transformam significados, legitimam e contestam relações de poder e formas de torcer. Conclui-se que existem duas ideologias principais em conflito, que atribuem significados distintos aos termos-chave da formação discursiva (torcer, torcedor, torcida, estádio, futebol etc.) e às transformações atuais do público de futebol. Essas modificações aliam mecanismos biopolíticos e disciplinares a um processo de civilização dos comportamentos de torcedores, fazendo parte de uma nova fase da institucionalização do esporte, capaz de produzir novos espectadores mais orientados para o consumo, em detrimento dos fãs associados às formas de torcer consideradas mais tradicionais. |
A categoria social dos idosos: Uma Análise da Representação Social dos Idosos nos Pronunciamentos do Senado Federal em 2003
A Lei Geral da Copa e a imperatividade jurídica: análise das relações consumeristas do megaevento
Objetiva-se analisar a possibilidade da aplicação da teoria do princípio da proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) nas relações consumeristas regidas pela Lei Geral da Copa. Por meio de pesquisa bibliográfica e do método hipotético-dedutivo, analisa-se, de forma geral, a Lei Geral da Copa e os preceitos normativos e teóricos do princípio da proteção deficiente, com fulcro nos princípios da proibição do retrocesso e no princípio da proporcionalidade e, especificamente, a ligação entre ambos no tocante às relações consumeristas relacionadas ao megaevento. Investiga-se a hipótese de inconstitucionalidade do art. 27 da Lei Geral da Copa, partindo do pressuposto de que esse artigo subverte princípios e direitos fundamentais da CF/88, mormente, os relacionados com a defesa e tutela dos direitos dos cidadãos.
Sob a pena da lei: princípios constitucionais, o Estatuto do Torcedor e o cerco às torcidas organizadas no Brasil
A emergência das torcidas organizadas como um problema dentro e fora dos estádios em razão do seu comportamento violento, especialmente a partir dos anos 90 no Brasil, atrai a atenção do legislador. Após a promulgação da Lei Pelé que “institui normas gerais sobre o desporto” restou regulamentar a relação entre o espectador e os promotores dos eventos desportivos. Assim é que a Lei 10.671 tem como função balizar a relação entre essas partes. Instituto legal eminentemente consumerista, em seu texto original, aprovado em 2003, não dispensava atenção às torcidas organizadas enquanto atores sujeitos a penalidades e sanções. Possivelmente, a escolha do país como sede de dois dos mais importantes eventos esportivos internacionais, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, tenha chamado a atenção para o problema da violência nos estádios, especialmente em relação às torcidas organizadas, apontadas por muitos como causa das constantes brigas nas arquibancadas. Assim é que a Lei 12.999 de 2010 traz algumas importantes alterações na Lei 10.671 estabelecem pesadas sanções a esses grupos. No entanto ao examinarmos essas alterações sob a ótica dos Direitos e Garantias Fundamentais presentes na Constituição Federal é possível perceber o descompasso entre esses ambos já que essas alterações podem ser interpretadas como modificação negativa de conteúdo dos direitos e garantias fundamentais, o que é expressamente vedado na Carta Magna. A tarefa desse artigo é refazer o caminho da emergência, exaltação e demonização das torcidas organizadas e o tratamento legal dispensado a esses grupos tendo como parâmetro o disposto na Constituição Federal.
Dossiê: Paradigmas técnico-econômicos e reconfiguração territorial | Dossier: Techno-economic paradigms and territorial reconfiguration
Este dossiê de estudos e reflexões sobre mudanças tecnológicas e reverberações territoriais no capitalismo contemporâneo busca chamar atenção para o desempenho da economia brasileira e a inserção do Brasil na economia global diante dessas mudanças, considerando a possibilidade, ou mesmo a capacidade, do país de se reorganizar para adotar uma agenda que favoreça sua inserção provocada pelas mudanças tecnológicas. São, sem dúvida, tempos de transformações tecnológicas e produtivas aceleradas, com rebatimentos territoriais profundos e ainda em curso, alguns deles mesmo em fase de cristalização de sua dimensão e consequências. A reflexão proposta neste dossiê visa contribuir para uma ampliação das visões de processos no mais das vezes em curso e não consolidados em transição, portanto, ou seja, a situação em que o velho não morreu e o novo não se definiu em sua inteireza. Pretende-se aclarar os termos dessa transição, seus elementos característicos, os impactos territoriais e setoriais mais visíveis, assim como os elementos de políticas públicas a ela associados. A proposta de organização deste projeto “dossiê” para a presente edição da revista da Anpur (REURB) é concretizada mediante três atos ou temporalidades fundamentais. O primeiro ato trata dos propósitos da temática posta para abordagem pelos autores. O segundo revela a problematização do tema em face do debate nacional, com base nos artigos selecionados para o dossiê. Por fim, o terceiro ato aponta as lições aprendidas, com um balanço conclusivo dos enfoques aqui apresentados e a perspectiva de uma nova agenda de pesquisa sobre a temática.
Fragmentação do poder e a complexidade de governar nas regiões metropolitanas
Com a maior mobilidade de serviços, capital e pessoas, a questão metropolitana ganha notoriedade. Embora a Constituição já reconhecesse as regiões metropolitanas, foi com o Estatuto da Metrópole, Lei n. 13.089, de 2015, que houve algum avanço em relação à governança interfederativa. Pretendia-se preencher as lacunas e explorar o potencial de diversos instrumentos político-urbanísticos visando à boa governança com base no fomento às iniciativas de cooperação e coordenação federativa, por longas décadas negligenciadas pelo Poder Público. Contudo, a própria fragmentação do poder e a complexidade de governar essas regiões tornam frágeis a gestão e a governança delas, pondo em xeque a viabilidade e a efetividade do Estatuto. Assim, o presente estudo, utilizando o método hipotético-dedutivo, visa analisar algumas inovações trazidas pelo Estatuto ou que deveriam ter sido disciplinadas por ele e o modo como estas se aproximam ou não dos itens essenciais para uma sólida governança e para a superação das fragilidades institucionais.
O espaço público e o público que o frequenta: dilemas dos direitos humanos à água e ao saneamento
Os direitos humanos à água e ao saneamento foram reconhecidos oficialmente pela Organização das Nações Unidas em 2010. Apesar disso, eles não são explicitamente reconhecidos como direitos fundamentais na legislação brasileira, e sua interpretação em lei advém do conceito de universalização do acesso. No entanto, pouco se discute a respeito da universalização desse acesso em espaços além do domiciliar, sobretudo em espaços públicos, a fim de atender pessoas em situação de vulnerabilidade socioespacial e que necessitam de mobiliários como bebedouros e banheiros, em razão de trabalharem ou residirem em tais lugares. É nos espaços públicos que a população em situação de rua, comerciantes de rua, mulheres e meninas, pessoas com deficiência e pessoas transgênero são negligenciadas, tendo em vista a falta de acesso a água e a banheiros. Dessa forma, este trabalho buscou compreender as possibilidades de interpretação da política pública de saneamento no Brasil com base nas definições de “universalização do acesso” e “domicílio”, usando análise de conteúdo na leitura desses documentos. A conclusão a que se chegou foi de que a lei é excludente para os espaços públicos, ao negligenciar os grupos supracitados.
Investimento Direto Estrangeiro chinês e participação chinesa em projetos de infraestrutura no estado de São Paulo, Brasil: uma análise baseada na urbanização planetária e nos circuitos do capital
A proposta deste texto é investigar a relação entre Brasil e China de uma perspectiva da produção do espaço urbano. Para isso, foram analisados os Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) chineses e a participação desse país em projetos de infraestrutura no estado de São Paulo entre 2000 e 2020, contextualizados nas realidades brasileira e latino-americana. O estudo utilizou a “comparação incorporada” desenvolvida por Philip McMichael e conceitos como os de urbanização planetária e circuitos do capital. A hipótese de que o Estado chinês passa a se conformar como um agente da urbanização brasileira foi avaliada de modo a contribuir com o debate em torno da dinâmica da urbanização brasileira contemporânea. Os dados coletados apontam para um papel importante da urbanização no processo de expansão chinês. As infraestruturas ganharam importância ao longo da última década, em consonância com as transformações pelas quais o país passou após a virada do século e a crise de 2008, o que sinaliza um giro em direção ao circuito secundário do capital em tempos de crise de sobreacumulação. Por fim, algumas questões são apresentadas acerca da dinâmica urbana no Sul Global, na América Latina e Caribe e no Brasil.