A tese busca analisar as tensões entre as representações dos impactos das Olimpíadas Rio 2016 construídas no discurso da série “Vozes do Rio: nossa odisseia olímpica” do jornal The Guardian e a cultura vivida nas favelas cariocas no contexto do megaevento esportivo. A escolha do objeto empírico foi motivada pelo espaço concedido a três jornalistas comunitários da Rocinha, do Complexo do Alemão e do Complexo da Maré em um portal de notícias de alcance global, que soma 160 milhões de acessos mensais. A pesquisa tem como objetivos específicos contextualizar as relações sociais, políticas e econômicas entre as Olimpíadas Rio 2016 e as favelas cariocas; investigar as mediações jornalísticas na série que contribuem para a construção das representações dos impactos da competição; reconhecer os sentidos mobilizados no discurso jornalístico e tensionar as representações na série com a cultura vivida nas favelas cariocas no contexto do megaevento esportivo. A tese parte do pressuposto de que a inserção dos jornalistas comunitários pode ter ocorrido apenas de forma superficial e limitada ao longo do discurso jornalístico, não favorecendo, de fato, a participação ativa e autônoma desses grupos sociais marginalizados com vistas à construção de representações mais plurais e alternativas. O percurso teórico-metodológico é desenvolvido a partir de um protocolo analítico próprio que tem como bases a análise cultural (WILLIAMS, 1979) e a análise de discurso (FOUCAULT, 2012) a fim de compreender as negociações de sentidos entre diferentes esferas culturais no interior do discurso jornalístico. Primeiramente, analisamos a cultura vivida por meio da descrição das mediações das favelas cariocas no contexto das Olimpíadas Rio 2016 e das mediações jornalísticas do The Guardian; em seguida, mapeamos os sentidos negociados no discurso da série em meio a relações de poder e disputas ideológicas; por fim, em uma etapa interpretativa, tensionamos as representações dos impactos do megaevento esportivo na série com a cultura vivida nas favelas cariocas no período a fim de verificar as potencialidades e as limitações da inserção de vozes comunitárias em um espaço global e hegemônico. Como resultado da análise de sentidos, identificamos cinco formações discursivas: a) descaso; b) militarização; c) resistência; d) banalização da violência e e) estereotipização. A pesquisa demonstra, por um lado, que a presença das mediações das favelas cariocas, representadas pelos jornalistas comunitários, foi um diferencial na série, já que colocaram em circulação representações mais plurais e alternativas sobre o megaevento esportivo, aproximando o discurso jornalístico da cultura vivida nas comunidades. No entanto, não é possível afirmar que a participação dos jornalistas comunitários se deu de forma ativa e democrática na série, já que coube ao The Guardian o controle integral de todo o processo de produção, restringindo a autonomia dessas vozes marginalizadas em um espaço tutoreado e limitado. Logo, a série envolveu uma relação assimétrica de poder em que o local foi convertido em produto para consumo a partir das lógicas do global e do hegemônico.