O arquipélago dos Açores fica no Oceano Atlântico, mais ou menos a meio caminho entre a Europa e os Estados Unidos da América. Fazendo parte do Estado português (com status de região autônoma obtido em 1975), como Portugal os Açores são marcados pelo fenômeno da emigração desde o início do século XIX (Feldman-Bianco, 1997). De fato, em função do estabelecimento de redes transnacionais de parentesco e de circulação de pessoas e bens (materiais ou simbólicos), a experiência migratória é constitutiva da vida cotidiana dos habitantes do arquipélago, que “abrange a possibilidade sempre presente de se emigrar” (Feldman-Bianco, 1995).
Historicamente, os principais destinos deste fluxo migratório foram os Estados Unidos e o Brasil. No caso brasileiro, por exemplo, são conhecidas algumas cidades fundadas por imigrantes açorianos no sul do país. Este artigo, porém, concentra-se sobre um contingente de açorianos que se estabeleceu na cidade de São Paulo, mais precisamente no bairro de Vila Carrão, na Zona Leste da cidade. Vindos principalmente da ilha de São Miguel dos Açores, a partir da década de 50, para trabalharem como empregados em uma tecelagem desse bairro paulistano, estes imigrantes desde então diversificaram suas atividades, concentrando-se porém no setor pecuário, de laticínios e de comércio de carne.
De qualquer forma, nosso interesse, mais do que fornecer um desenho detalhado dessa migração, com dados estatísticos, gráficos e reconstruções históricas, é mostrar como se rearticula no contexto da imigração no Brasil uma forma cultural e religiosa característica do arquipélago dos Açores: a Festa do Divino Espírito Santo. Trata-se de uma festa tradicional, celebrada anualmente nas ilhas açorianas, ao longo das semanas que antecedem e culminam no Pentecostés, festa católica celebrada 50 dias após a Páscoa. Aqui, pretendem os, através da descrição (ou da etnografia) de uma festa por nós observada em abril e maio de 1995, mostrar como a identidade açoriana é (re)construída em São Paulo, a partir desta festa que foi “transplantada” por esses imigrantes 24 anos depois de sua chegada em São Paulo.