A partir das tendências de deterioração na qualidade das águas da represa Guarapiranga, um dos principais mananciais para o abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo, que se agravaram durante os anos 1980, sobretudo em função do aporte de esgotos domésticos oriundos da extensão precária do tecido urbano na área correspondente à bacia hidrográfica sob fortes restrições desde a instituição da chamada lei de proteção aos mananciais em meados do decênio anterior, a atuação do Estado passou a se valer de outros instrumentos para enfrentar a realidade urbana perante a qual aquele aparato legal mostrou-se flagrantemente inócuo para o cumprimento de seus propósitos formais. O Programa de Saneamento Ambiental da Bacia do Guarapiranga, esboçado inicialmente no âmbito da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, de acordo com as preocupações referentes à elevação nos custos para o tratamento das águas do reservatório, bem como as potenciais implicações à ampliação do Sistema Adutor Metropolitano decorrentes de tal comprometimento, foi redimensionado por equipes do governo estadual e do Banco Mundial, que passou a ser um de seus financiadores. Passando a contar com uma arquitetura institucional cujos pressupostos e objetivos, como constam nos documentos oficiais, incluem a participação das diversas instâncias do governo estadual e dos governos municipais que têm interesses específicos na represa, a participação de entidades representantes da sociedade civil, de forma a garantir uma legitimação das ações/medidas que venham a ser implementadas, e a constituição de uma unidade de gerenciamento com vistas à centralização das ações de coordenação e supervisão de sua consecução, em resposta à demanda do próprio Banco, o Programa Guarapiranga foi apresentado como uma espécie de experiência preparatória à concepção de uma 'nova política' voltada aos mananciais. O que acabou ocorrendo ao final de 1997, fato saudado por vários profissionais e estudiosos. Consentânea com um modelo institucional engendrado no sentido de emoldurar conflitos e contradições envolvidos no uso das águas no quadro do que se convencionou denominar de gerenciamento dos recursos hídricos, a 'nova política' foi fortemente bafejada pela ecologização da questão urbana. A partir das indicações da incorporação decisiva de tais representações da urbanização pela ação do Estado, observei, neste trabalho, que as concepções sobre a vida social a partir da definição dos papéis e lugares a serem ocupados pelos indivíduos para a manutenção do equilíbrio 'da casa' atualizam e complementam as práticas historicamente utilizadas pelas classes dominantes, periféricas e heterônomas, para prevalecer no Brasil. A conformação de um arranjo institucional a por em cena o cidadão postiço e caricato, representado pelo usuário, ele próprio representante de uma democracia, dessubstancializada, atada ao mundo das mercadorias, ao movimento fantasmagórico das formas sociais produzidas pelos próprios homens, mas que se sobrepõem às necessidades sociais e se nutrem delas, tem reforçado a recusa secular das classes dominantes no Brasil ao reconhecimento do outro e sua consequente negação às tentativas de constituição de um campo da política referido às necessidades advindas da sociedade civil com vistas à configuração de um espaço público enquanto práxis transformadora.