A capital paulista é conhecida em geral como uma cidade de migrantes, onde vários grupos étnicos se fazem presentes. Os motivos que os atrai a esta metrópole são os mais variados possíveis e seria um tanto quanto difícil enumerá-los sem cair no risco de empobrecer a rica experiência que a migração representa para cada indivíduo ou grupo social. Mais recentemente, a metrópole passa a ser o lugar privilegiado onde é possível se viver uma variada gama de identidades, desenvolver capacidades profissionais, consumir uma variedade de produtos de alta tecnologia, estabelecendo relações dentro do amplo espectro do pluralismo étnico-cultural e religioso. No entanto, a metrópole também apresenta o seu lado ambíguo, uma vez que, se por um lado, ela permite a realização de inúmeras possibilidades humanas, por outro, ela engendra um processo de desenvolvimento denominado por Marshall Berman (1994) de “faustico”, semelhante a um trator incontrolável que passa por cima de tudo, destruindo memórias, identidades e segregando econômica, social e culturalmente grupos inteiros.
Neste artigo, a partir dos dados etnográficos coletados na cidade de São Paulo, propomo-nos a penetrar o nosso olhar para além do aparente brilho que caracteriza a metrópole paulista, na tentativa de apreendermos o vivido por um grupo de imigrantes, os quais, por um lado, não são reconhecidos socialmente, em razão dos vários estigmas que lhes são atribuídos pela sociedade local, e por outro, não existem enquanto cidadãos, porque são indocumentados ou clandestinos. Trata-se dos imigrantes bolivianos, mais específicamente dos bolivianos indocumentados que trabalham no ramo da costura. A partir da experiência de clandestinidade, estes imigrantes constróem estratégias de sobrevivência, e ao mesmo tempo, organizam-se socialmente, recriando os seus valores culturais em vista da construção de uma nova imagem social de si mesmos.