Política dos "improváveis": percursos de engajamento militante no movimento nacional da população de rua (MNPR)
Esta tese de doutorado se ocupa primordialmente do engajamento militante de pessoas que atuam no movimento nacional da população de rua (MNPR). Concentra-se no processo de formação social da população em situação de rua enquanto sujeito de direitos em organização referida como movimento social e que desponta publicamente apresentando demandas e pauta política para intervir nas dinâmicas de formulação, planejamento e execução de serviços acenados pela condição de políticas públicas.Trata-se de demonstrar as formas pelas quais esta mobilização se tornou possível, bem como, quais fatores foram intervenientes e configurados a permitir a emergência do segmento como tema de debates e intervenção por parte da gestão pública. Seu objetivo é etnografar os sentidos atribuídos à ação política assumindo as especificidades da vida nas ruas como eixo central que interfere e dinamiza justificativas para o engajamento, desafios da mobilização, assim como modos de fazer e pensar a política, tratada aqui etnograficamente, segundo os usos dos sujeitos e os sentidos que atribuem a práticas designadas como políticas. A partir do trabalho de campo realizado entre os anos de 2009 e 2016, vale-se de registros empíricos obtidos através de entrevistas com militantes, discursos e debates em eventos públicos, além do acompanhamento de suas atividades de mobilização concentradas em algumas de suas coordenações nacionais (Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador). Verifica-se que a existência do MNPR confronta impressões sobre segmentos sociais considerados como improváveis para a participação política. Tal improbabilidade é justificada em virtude das condições materiais de suas vidas e da falta de vínculos hegemonicamente desejados, reconhecidos na existência do domicilio e do trabalho fixo, educação formal, vínculos familiares, sobriedade e legalidade. Em contraponto, o processo de organização do MNPR constitui-se na produção de outros quadros institucionais que não passam pela adesão a esses valores, mas por sua subversão, ao apresentarem uma alteridade radical entre a experiência de vida nas ruas frente a experiência de vida domiciliada. Esta forma de agenciamento da alteridade proporciona as condições para passar do estigma ao prestígio, ao projetarem a experiência de vida na rua como algo valioso, que deve ser reconhecido como forma de garantir participação nos espaços de gestão que se referem à intervenção em suas vidas, seja nas ruas ou nos serviços a eles destinados. O desafio aqui enfrentado trata de concepções sobre a dignidade humana e quem são as pessoas que tem o direito ou não de exercê-la integralmente. É através da luta política que se pretende alcançar o reconhecimento de seu estatuto enquanto "sujeito", "ser humano como outro qualquer", digno de ser escutado, levado em consideração e exercer plenamente seus direitos de participação. Ao passo em que é o desprestígio deste reconhecimento enquanto ser humano que coloca suas condições de participação sob suspeita. Em contrapartida, é a produção de reconhecimento social enquanto sujeitos de direitos para alçar a condição de ator político legítimo, que figura como principal instrumento para fazer provar o estatuto de ser humano, igual aos demais, em condições de exercer plenamente a cidadania.