Por escrito: o Carandiru para além do Carandiru
O Massacre do Carandiru foi um evento crítico que dizimou mais de uma centena de presidiários na Casa de Detenção de São Paulo, em 2 de outubro de 1992. Ao expor a vida carcerária de forma dramática, o Massacre inaugura uma nova relação entre o dentro e o fora do cárcere, fazendo com que a sociedade extramuros volte a sua atenção para a vida prisional. Essa nova relação pode ser percebida e analisada a partir de um tipo de produção literária que ganhou espaço após a virada do século, momento em que alguns presos tiveram seus livros publicados, convertendo-se em autores e despertando um interesse do maior do público pelo universo prisional. Esta pesquisa toma como base para a compreensão sobre as novas relações que se estabelecem, a partir do evento trágico, entre o interior e o exterior da prisão, seis volumes publicados na década de 2000: Memórias de um Sobrevivente (2001), de Luiz Alberto Mendes, Vidas no Carandiru, Histórias Reais (2002), de Humberto Rodrigues, Sobrevivente André Du Rap (do Massacre do Carandiru) (2002), de André du Rap e Bruno Zeni, Pavilhão 9, Paixão e Morte no Carandiru (2001), de Hosmany Ramos, Letras de Liberdade (2000), vários autores, publicado pela Madras Editora e O Direito do Olhar: Publicar para Replicar (2009), publicado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa. A análise de tais volumes permitiu lançar uma reflexão sobre as maneiras pelas quais os autores presos interpretam a prisão; a sua relação com o que se encontra fora das grades; as maneiras pelas quais constroem a memória. Permitiu, também, uma compreensão sobre a prática da escrita prisional, revelando as maneiras pelas quais as narrativas circulam dentro e fora do cárcere e como fazem circular afetos, memórias, pedidos de ajuda e ideias. Tais textos revelam, ainda, as disputas simbólicas voltadas para a prática da escrita no cárcere, nas quais sentidos pré-determinados sobre a prática são apropriados pelos presos e por eles reelaborados, oferecendo novos sentidos para a narrativa e para a própria experiência prisional. Essa literatura, portanto, evidencia um tipo de relação específica entre o dentro e o fora do cárcere, relação pautada na circulação de um tipo específico de texto, que movimenta sentidos e interpretações, tanto sobre a sociedade quanto sobre o próprio cárcere.