Do imaginado ao imaginário: magia, improviso e salvação nas narrativas orais tradicionais e nos discursos de formação da Igreja e da religiosidade católica no Brasil
A narrativa imaginada e o imaginário social compõem os objetos de interesse desse estudo, que busca relacionar temáticas religiosas presentes em narrativas orais tradicionais aos discursos de formação da Igreja e da religiosidade católicas no Brasil. Com estrutura narrativa simples e carga simbólica marcante, os contos tradicionais deslocam a realidade do ouvinte para um mundo fantasioso, que possui uma pedagogia própria de metáforas para lidar com o mundo social. A coleta desse tipo de narrativa nos séculos XX e XXI informa também que a narratividade toma novas formas midiáticas, mas não desaparece por completo em sua expressão mais basilar: a narração oral. De autoria, datação e localidade não identificadas, as narrativas orais tradicionais consistem em objeto significativo para a compreensão do imaginário social. O exame das narrativas orais tradicionais foi acompanhado pelas leituras historiográficas que contextualizam os discursos institucionais de formação da religião católica no Brasil, principalmente os que abordam as justificativas para a conquista de territórios e almas, a subjugação pela escravidão e a intimidade com os seres do mundo não-físico. As narrativas com as personagens do mundo não-físico católico apresentaram afinidades com características fundamentais da colonização religiosa no país, tais como: a intimidade entre mundos físico e não-físico; as possibilidades de influenciar e causar mudanças entre mundos; os sentidos heterônomos para a ação humana; as concepções mágicas para a salvação; o desejo de salvação mágica atrelada ao mundo físico; o sentido de maldição conectado à escassez material; e as justificativas religiosas para uma desigualdade que se revela fundamentalmente seletiva.