O objetivo desta pesquisa é examinar as possibilidades do engajamento político feminino contribuir na nomeação e publicização – simultaneamente individual e coletiva - de estranhamentos a dispositivos que normalizam sujeições e desigualdades que compõem a vida social. O ato de nomear e tornar público tais estranhamentos possibilita dar a fatos e relações sociais nomes diversos daqueles propagados pela normatividade social, exercício que Rancière nomeou como “literalidades” e que, nesta pesquisa, chamamos de “renomear o vivido”. A proposta é investigar em que medida o envolvimento feminino em ativismos e militâncias populares, duas formas de engajamento político que possuem traços em comum e também suas especificidades, possibilitam, para além dos exercícios de governamentalidade que atravessam tais práticas, formas de socialização que contribuem neste renomear.
Para desenvolver as análises, nos apoiamos em dois procedimentos: interlocuções realizadas com mulheres envolvidas, com ou sem ligação a um grupo político em específico, em ações que compõem os ativismos e militâncias nas cidades de Campinas e São Paulo, e na observação participante, durante os anos de 2015 a 2017, de alguns atos, manifestações, rodas de conversa e oficinas culturais - realizados em espaços públicos e de acesso aberto - que foram propostas nestas cidades com o objetivo de problematizar desigualdades de classe e seus cruzamentos com diferenciações de raça, gênero, entre outras.
Este caminho investigativo, unido aos exercícios de reflexão teórica, nos permite indicar que o envolvimento feminino em ativismos e militâncias populares, para além das formas de sujeição que estas práticas circulam e reiteram, possibilita, entre outras, duas principais renomeações: às relacionadas a representações de gênero que sujeitam mulheres a determinadas atribuições e comportamentos nos espaços sociais, inclusive nas relações familiares, e às que remetem à publicização de conflitos (de classe, gênero e outros) que, no processo de privatização do público ampliado pela racionalidade neoliberal, tendem a confinar-se no que Rancière (1996) nomeou como “ordem doméstica”: espaço social onde se concentram os assuntos que não seriam de interesse público e sim da particularidade dos agentes envolvidos.