O deslocamento da perspectiva sobre o tradicional fluxo migratório Angola-Brasil, visto historicamente como um percurso de vinda de refugiados e estudantes universitários, para um prisma de gênero, despertou a tarefa de pesquisa sobre as vivências de mulheres migrantes angolanas, solicitantes de refúgio e residentes em um centro de acolhida na Zona Leste de São Paulo. Na tentativa de propor alguns pontos de interseção e compreensão desse fluxo migratório, a presente pesquisa apresenta as trajetórias e o perfil de quinze mulheres, chegadas entre 2016 e 2018, que além do local de moradia, possuem em comum o pouco domínio do idioma português, vivências como migrantes e refugiadas na República Democrática do Congo (RDC), a naturalidade em províncias do norte de Angola e o pertencimento ao grupo étnico-linguístico Bakongo.
O contato com as participantes da pesquisa ocorreu pelo método etnográfico, de forma a compreender suas trajetórias migratórias, o que também revelou outros aspectos menos evidentes, mas não menos importantes em suas vidas: a influência dos conflitos coloniais nas suas experiências escolares, a propagação dos efeitos do deslocamento humano através das gerações, a presença de questões sobre estado-nação em seus corpos e linguagens e no seu sentimento de pertencimento e identidade nacional, suas dinâmicas familiares na origem e no Brasil. Da mesma forma, ganham destaque questões de alteridade através do contato com o outro na experiência migratória e o impacto dos marcadores sociais gênero, classe, raça, religião, nacionalidade e categorias migratórias na sua integração no país e na reconfiguração de suas identidades.