Fruto de uma etnografia entre acampamentos sem-teto nas periferias metropolitanas de São Paulo, esta tese percorre algumas questões que hoje atravessam os sentidos das lutas sociais, novas conflitualidades e formas de vida que se abrem como experimentação nos acampamentos de terrenos baldios e seu emaranhado de corpos, relações, curas e histórias. Instituído em grandes terrenos não edificados de mata tanto persistente quanto exuberante, o regime baldio instaurado pelas ocupações sem-teto surge como zona de interstício entre o ritmo desenfreado das novas formas de metropolização financeirizada e vigiada da "cidade global" e as ruínas de uma antiga metropolização fabril, nos oferecendo sugestivas proposições de uma política por vir. Ao intuir, uma vez mais, a luta política que se faz com os pés na terra, os acampamentos interrogam a "cidade do progresso" (e seu colapso) pelo seu avesso, em um arranjo deliberadamente precário, impermanente e aberto ao mundo vivo, nos apresenta pistas para pensar a transição da cidade-fábrica para a cidade-acampamento. Trata-se de uma ação coletiva que começa pela denúncia do regime proprietário e rentista produtor de desigualdades, mas que de forma imprevista acaba por investigar uma uma inédita aliança entre o baldio e a classe endividada, a classe "nômade do trabalho", como denomina mbembe (2018), uma aliança entre o combate a cozinha coletiva, a festa e a guerra. O regime baldio, tecido por suas tramas relacionais, além de fazer emergir a própria coletividade que o sustenta - os sem-teto - também torna possível o tempo livre e outras proposições sobre viver junto. Por não se constituírem, na maior parte das vezes, como espaços de moradia, os acampamentos organizados pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) possibilitam uma emergente espacialidade que não é a da casa, nem é a do trabalho, mas uma experiência de travessia na qual no qual se vive a vida através da vida dos outros, como na definição ampla de parentesco feita por sahlins (2013). Diferente de toda a gramática que constitui a "política habitacional" e suas tecnologias generificadas, proprietárias e bio-produtivas, nos acampamentos é possível experimentar a confusão de fronteiras entre cozinhas coletivas, festas, zonas de cumplicidade e prazer que abre hipóteses intensamente relacionais para as transações entre corpos e papéis. Na pesquisa, tratamos de pensar com os sem-teto sobre a retomada de um tempo da cura nas bifurcações em relação às inscrições dos trampos, virações, ao desemprego ativo e à socialidade doméstica, bifurcações capazes de produzir experimentações de "voltar à vida"; de sentir a "luta entrar no sangue" e "virar outra", como muito escutei nos acampamentos. Trata-se também de pensar em como a forma-acampamento interroga os modos de subjetivação neoliberal constituídos pela concorrência, desempenho, sacrifício encarnando assim uma guerra contra todos aqueles que, de certa forma, ameaçam o pacto da cidadania sacrificial - os vagabundos e vagabundas. Por fim, a tese apresenta algumas reflexões sobre como a política e o conhecimento sem-teto produzidos nos acampamentos interpelam alguns dos consensos progressistas e suas formas democráticas, também percorre algumas proposições sobre tecnologias de gênero e políticas de cuidado em uma conversa entre mulheres sem-teto e uma ciência feminista.
Experimentações baldias & paixões de retomada: Vida e luta na cidade - acampamento
Tipo de material
Tese Doutorado
Autor Principal
Moraes De Souza, Alana
Sexo
Mulher
Orientador
Leite Lopes, Jose Sergio
Ano de Publicação
2020
Programa
Antropologia
Instituição
UFRJ
Idioma
Português
Palavras chave
Lutas sociais
Antropologia política
Gênero
Corporalidades
Neoliberalismo
Resumo
Disciplina
Método e Técnica de Pesquisa
Qualitativo
Referência Espacial
Cidade/Município
São Paulo
Macrorregião
Sudeste
Brasil
Habilitado
UF
São Paulo
Referência Temporal
N/I
Localização Eletrônica
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