As folias são formadas por grupos de instrumentistas e cantadores que professam as boas novas aos anfitriões dos Santos Reis. São compostos por crianças, jovens e idosos de ambos os sexos que se responsabilizam em levar a bandeira dos santos Reis Magos às casas dos devotos. A prática do reisado representa a missão sagrada deixada pelos Santos Magos do Oriente, para que seus promesseiros anunciem o nascimento do menino Jesus e redistribuam as bênçãos por onde forem entoados os cantos, as chamadas profecias. O arcabouço ideológico que ampara os reiseiros é chamado de fundamento, um conjunto de narrativas míticas que não se encontra, necessariamente, na bíblia cristã. Refere-se a todo um conhecimento relativo às regras de etiquetas e códigos de conduta para orientação dos foliões nos seus engajamentos nas complexas relações de troca e reciprocidade que este empreendimento suscita. As folias de reis realizam circuitos de visitações às casas dos devotos em um período conhecido como giros ou jornadas e ocorrem nas madrugadas dos fins de semana dos dias 24 de dezembro ao dia 6 de janeiro, dia dos Santos Reis. Na Região Metropolitana estas saídas se prolongam até o dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, santo padroeiro da cidade do Rio de Janeiro.
A proposta do ensaio fotográfico é apresentar os dados obtidos em campo e as imagens que serviram de inspiração para o desenvolvimento dos desenhos etnográficos que elaborei no corpo da minha tese de doutoramento (SOUZA 2017). Os desenhos como aparato etnográfico não visam substituir o recurso da foto, mas, assim como a produção da imagem pela máquina fotográfica, a escrita etnográfica e os desenhos são a possibilidade de o pesquisador construir um recorte de seu objeto de análise (KUSCHNIR 2016). Taussig (2011) afirma que a feitura do desenho, bem como a fotografia, tem a capacidade de retratar o recorte metafísico. Em muitos dos desenhos selecionados, ocorreu uma prática frutífera de tentar relacionar diversas imagens para a recomposição de alguma cena. Nesse enquadre, pude focar e retomar questões que no decorrer do campo passaram despercebidas. Os desenhos realizados no campo também proporcionam ao leitor minha experiência e perspectiva sobre a realização das saídas rituais da folia de reis (KUSCHNIR; GAMA 2014; KUSCHNIR 2016). A inspiração nas obras de Carybé está pautada pela possibilidade de reproduzir a simplicidade e o movimento contido nessas práticas de devoção popular.